quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

João

João era um sujeito simplório. Porém, sua fama de usar uma linguagem rebuscada se espalhara na pequena vila em que morava, situada entre as montanhas. Os vizinhos dele evitavam a conversa prolongada devido à incompreensão da fala empolada do pobre homem.
Um dia caiu um temporal na vila de nosso protagonista. Por causa de um deslizamento de terra, a casa de João foi coberta pela lama e ele ficou soterrado em meio aos escombros. A equipe de resgate chegou duas horas depois do incidente e começaram as escavações à procura de João. Quarenta minutos depois de intenso trabalho, ouviram gritos estranhos vindos de onde possivelmente estaria a vítima. Gritos estranhos pois diziam: 

- Por obséquio, queiram-me acolitar a sair desta circunstância calamitosa!!

Por fim conseguiram chegar próximo ao local. Os bombeiros já avistavam, ao fim do pequeno túnel que cavaram, o rosto daquela vítima um tanto inusitada. Assim que João viu a ajuda vindo ao seu encontro, informou que havia apenas um tronco de árvore segurando todo o entulho que viria a cair e esmagá-lo completamente dizendo:

- Sr. profissional que combate incêndios e outros sinistros - o bombeiro ouvia com atenção - há uma tora, certamente advinda de um arvoredo longínquo, que ameaça precipitar-se e acarretar o meu possível óbto, pois - um grande barulho interrompeu João, já esmagado pelas pedras que rolaram do alto da montanha até o vale.

Próximo de João morreu também o bombeiro que ouvia - e tentava entender - as instruções da vítima naquele cenário de destruição. Ele amava seu trabalho, João amava sua língua portuguesa.

- Flávia Freitas Gomes