João era um sujeito simplório. Porém, sua fama de usar uma linguagem rebuscada se espalhara na pequena vila em que morava, situada entre as montanhas. Os vizinhos dele evitavam a conversa prolongada devido à incompreensão da fala empolada do pobre homem.
Um dia caiu um temporal na vila de nosso protagonista. Por causa de um deslizamento de terra, a casa de João foi coberta pela lama e ele ficou soterrado em meio aos escombros. A equipe de resgate chegou duas horas depois do incidente e começaram as escavações à procura de João. Quarenta minutos depois de intenso trabalho, ouviram gritos estranhos vindos de onde possivelmente estaria a vítima. Gritos estranhos pois diziam:
- Por obséquio, queiram-me acolitar a sair desta circunstância calamitosa!!
Por fim conseguiram chegar próximo ao local. Os bombeiros já avistavam, ao fim do pequeno túnel que cavaram, o rosto daquela vítima um tanto inusitada. Assim que João viu a ajuda vindo ao seu encontro, informou que havia apenas um tronco de árvore segurando todo o entulho que viria a cair e esmagá-lo completamente dizendo:
- Sr. profissional que combate incêndios e outros sinistros - o bombeiro ouvia com atenção - há uma tora, certamente advinda de um arvoredo longínquo, que ameaça precipitar-se e acarretar o meu possível óbto, pois - um grande barulho interrompeu João, já esmagado pelas pedras que rolaram do alto da montanha até o vale.
Próximo de João morreu também o bombeiro que ouvia - e tentava entender - as instruções da vítima naquele cenário de destruição. Ele amava seu trabalho, João amava sua língua portuguesa.
- Flávia Freitas Gomes