domingo, 6 de janeiro de 2013

Um banho, por favor!

O verão começa e com ele a sensação de calango no deserto e camelo com sede. Para me preparar para essa belíssima estação que repudio, comprei um sabonete líquido esfoliante. No frasco, as instruções recomendavam o uso com no mínino três dias entre as aplicações. Um luxo duas vezes por semana para aliviar a tensão.

Acordei às 6h da manhã, em um sábado de sol com medo de ter perdido a hora. Não. Acordei no horário certo mesmo. Shorts, All Star e disposição. Saí com dois anjos da guarda em um Ka, que aguentou - com sua suspensão ruim - dezenas de garrafas d'água, roupas, sacos de ração e buracos. Muitos buracos.
No caminho, uma bela vista da subida da serra escondia entre os morros três fendas que se abriram nas chuvas dos primeiros dias de 2013.

Carros arrastados, cães perdidos, casas que não existem mais. Quentinhas chegam na hora do almoço. Força para quem aos poucos tira lama de dentro do que um dia chamou de lar.

O bairro sem água encanada, ponte e casas ainda é saqueada por quem provavelmente não tem mais nada a perder. Fraldas chegam no abrigo, para alívio das mães. Sorrisos dizem sem palavras o "obrigada" sincero. Na rua, pedidos de água, roupas íntimas e para bebês. "Onde está pior?", pergunta o voluntário recém-chegado.

Turistas tiram fotos, mas não posam na frente do carro virado - já sem rodas - em uma sala. "Não sabia que tinha sido assim. Olha isso!!". Emissoras de televisão congestionam a rua. "Tão dando algo?" "É do Wagner Montes! Tão entrevistando o prefeito."

Xerém está a Índia sete vezes mais confusa. E o sabonete esfoliante? Já está acabando.

Flávia Freitas

1 comentários:

Luiz Barros disse...

Muito bom ! Legal a manha da referência do esfoliante. Dá a sensação de continuidade. De ligação dos fatos relatados ao seu cotidiano.

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